Por: Everton Marcos Grison
uma anatomia do abandono
A escrita é um eco que deve
necessariamente ultrapassar o limite da audição. Escrever é um ato de
exorcismo, comportamento um tanto esquizofrênico, uma forma de compreender o
incompreensível e o incompreendido. Ato de rebeldia, manifestação da liberdade,
a escrita trancafia aquilo que eclode da inconformidade, do grito que quer
chamar a atenção para a paralisia. A escrita apresenta as veias abertas do
sofrimento, ao mesmo tempo em que delineia os contornos da maça da esperança. A
escrita é o relacionamento definido, o extravio não reconciliado, as mãos dadas
do casamento entre deus e o diabo.
Escrever é estar diante das
múltiplas faces do abandono: abandonar-se enquanto ser escrevente, estar
abandonado em meio a um mundaréu de palavras e regras gramaticais, abandonar-se
para além do registro escrito, como testemunho sincero da existência, tratar
daquilo que é abandonado, enredar-se através e com o abandono humano. Escrever
é uma anatomia abandonada.