Por: Everton Marcos Grison
![]() |
Capa da 3ª edição dos Protocolos publicados no Brasil. Sua primeira tradução para o português foi feita pelos anos de 1930. |
A farsa move montanhas, destitui
governantes, prejudica pessoas, aniquila individualidades, além de fundamentar
em grande medida, os complôs ao longo da história. E a história é marcada pela
existência de inúmeros complôs, com interesses e alcances dos mais variados,
chegando inclusive a mover montanhas.
O tema da farsa, da informação manipulada e reificada a bel prazer, foi objeto de pesquisa de muitos pensadores, seja na área científica ou literária. Na literatura são infindáveis os livros que tratam de complôs, sociedades secretas. A questão é que enquanto se mantém no campo literário, servindo-se da fantasia e da farsa, tais escritos funcionam de forma interessante, mexendo com o imaginário dos leitores, mas não movem montanhas.
O tema da farsa, da informação manipulada e reificada a bel prazer, foi objeto de pesquisa de muitos pensadores, seja na área científica ou literária. Na literatura são infindáveis os livros que tratam de complôs, sociedades secretas. A questão é que enquanto se mantém no campo literário, servindo-se da fantasia e da farsa, tais escritos funcionam de forma interessante, mexendo com o imaginário dos leitores, mas não movem montanhas.
Um autor que encara este tema com
muita maestria é Umberto Eco[1], reconhecido mundialmente pelos seus trabalhos
de semiótica, além de seus romances, que são muito bem recebidos pela crítica e
pelos leitores. Para quem conhece um pouco da obra de Eco, que é extensa, sabe
que o tema da mentira, dos embustes, é muito recorrente.
Em
seu O Pêndulo de Foucault (1988), por
exemplo, um complô “completamente falso”, forjado por um grupo de amigos
aventureiros, termina de forma catastrófica. No romance intitulado Baudolino (2000), o personagem principal, que dá nome ao livro, pode-se dizer que é
um mentiroso “mor”, pois mente tanto, que chega a acreditar em suas próprias
falsidades.
No
seu instrutivo Confissões de Um Jovem Romancista
(2011), Eco estabelece uma conversa com seu leitor, destrinchando aspectos
cruciais de sua escrita, além de dissipar interpretações parcas de seus
escritos. Ele deixa claro seu interesse pelo tema da falsidade. Seus romances
sempre relacionam acontecimentos, datas, locais e personalidades verdadeiras,
com pitadas de fantasia e falsidade. O resultado sempre é impressionante, pois
as fronteiras entre realidade e falsidade, verdade e mentira, vida e fantasia
desaparecem.
No seu último romance, O Cemitério de Praga (2010), Eco reúne
personalidades do quilate de Sigmund Freud, Garibaldi, satanistas, documentos
falsos do caso Dreyfus, e a formação dos Protocolos dos Sábios do Sião, assunto
que nos interessa nessa reflexão.
Basicamente,
os Protocolos contam a história de um suposto complô Judaico para dominar o
mundo. A questão é que este documento moveu montanhas, contribuindo em partes,
para fundamentar posturas antissemitas. Esta obra serviu, tempos depois de seu
aparecimento, de inspiração para Adolf Hitler desenvolver, juntamente com os
nazistas, seu plano de manutenção do arianismo, além do aniquilamento das raças
tidas como inferiores.
Os
Protocolos são considerados a maior farsa construída nos anos finais do séc.
XIX e início do séc. XX. O Jornal The
Times de Londres, em 1921, publicou um artigo que provava a farsa por trás
dos Protocolos. Tais Protocolos são cópia grotesca do livro; Dialogo no Inferno entre Maquiavel e
Montesquieu, de autoria do satirista francês, Maurice Joly.
Em seu panfleto, Joly forja um diálogo
entre Maquiavel, posto como aquele que defende a força, e Montesquieu, o
defensor da lei, no inferno. Sua intenção era atacar as atitudes imperialistas
assumidas por Napoleão III, o qual na opinião de Joly, estava “...destruindo de alto a baixo todas as
liberdades públicas” [2]. O livro foi um sucesso. A polícia do império
descobriu a autoria do panfleto, prendeu, julgou e condenou Joly a prisão.
Tempos depois, ao sair da prisão, acabou cometendo suicídio, sem chegar a tomar
partido da fraude que seu livro seria envolvido.
Os
Protocolos foram um documento encomendado pela polícia Russa
Em
1905 foi publicado na Rússia, sob os auspícios da polícia secreta do czar
Nicolau II, um livro apresentando como um conjunto de atas que relatavam
reuniões secretas dos sábios judeus, as quais revelavam um plano para dominar o
mundo (JOLY, 2009, p.12).
Amplamente reconhecida à
farsa por trás dos Protocolos, mesmo assim, Hitler em seu Mein Kampf afirmava;
Como
a existência desse povo se baseia em uma mentira contínua fica claro pelos
famosos Protocolos dos Sábios do Sião. Eles se baseiam em uma falsificação,
choraminga a cada semana a Frankfurter
Zeitung: e nisso está a melhor prova de que são verdadeiros... Quando este
livro se tornar patrimônio comum de todo o povo, o perigo judaico poderá ser
considerado eliminado (ECO, 2010, p. 478).
![]() |
Edição alemã de Minha Luta. Fonte: Web |
Percebemos que não está em jogo se o documento é
verdadeiro ou não, mas que ele fala de um plano que é verdadeiro. Para Hitler,
seu conteúdo é verdadeiro, mesmo que lhe provem que é falso. Não importa que seja
uma falsificação, mas, que fale de um complô dos judeus para dominar o mundo.
Isso sob qualquer suspeita é verdadeiro, sendo assim, os Protocolos são
verdadeiros. Quando este documento tornar-se um patrimônio comum do povo,
leia-se povo alemão ariano, o perigo judaico estará sepultado.
Will Eisner (1917-2005), um grande
desenhista, que produziu histórias em quadrinhos magníficas, dedicou mais de
vinte anos de pesquisa sobre o assunto. Disso, fez um livro[3] focado nos
indivíduos envolvidos na produção dessa farsa. Seus quadrinhos sempre tiveram
um compromisso social e este, contribui de forma imensurável para informar uma
população mais geral, sobre esta grande farsa. Eisner conta a história
completa, de uma maneira descontraída e fundamentado nos mais recentes estudos.
Este
assunto está longe de ser esgotado, pois contínua a fundamentar posturas
antissemitas pelo resto do mundo. A venda dos Protocolos é proibida
mundialmente, entretanto, são facilmente encontrados em sebos e pela internet
[4]. Cabe ressaltar que o aspecto mais extraordinário é a recepção e a crença
das pessoas nesse panfleto. São inúmeros também, os textos pela internet
propondo-se a provar a veracidade dos Protocolos.
O que faltou a Hitler quando
relatou sobre esta farsa, além de ser o que alimenta os crentes nessa história,
talhada a sufocamento e escrita com sangue alheio, foi a honestidade
intelectual, ou seja, aquela mesma que reconhece o outro enquanto ser. A
desonestidade marcou a produção dos protocolos, escreveu as linhas de Hitler e
contínua a viver como verme na mente dos desavisados. Lembrar é uma forma de resistir
às adversidades, além de ser uma válvula interessante de denúncia. Como alerta
fica o seguinte; esta farsa move montanhas, mas não são fantasiosas, ou como
eram as de caráter mitológico. Trata-se de montanhas de cadáveres humanos, os
quais não souberam e continuam não sabendo, ao menos, o porquê estavam sendo massacrados.
Referências
ECO, Umberto. O Cemitério de Praga. Tradução de Joana Angélica d’Avila. 4ª ed.
Rio de Janeiro, 2011.
__________. Confissões de um Jovem Romancista. Tradução de Marcelo Pen. São
Paulo; Cosac Naify, 2013.
EISNER, Will. O Complô – História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião.
Tradução de André Conti. São Paulo; Quadrinhos na Cia, 2010.
JOLY, Maurice. Dialogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu ou a política de
Maquiavel no século XIX, por um contemporâneo. Tradução de Nilson Moulin. São
Paulo; Unesp, 2009. (Coleção Pequenos Frascos).
ROSENFELD, Anatol. Mistificações Literárias – Os
Protocolos dos Sábios do Sião. São Paulo; Perspectiva, 2011. (Coleção Elos).
Notas:
[1] Umberto Eco nasceu em Alexandria em
1932. Professor de Semiótica, leciona atualmente na universidade de Bolonha, e
é reconhecido como um dos maiores escritores e pensadores vivos. Estrou na
ficção com O Nome da Rosa, seguido
por O Pêndulo de Foucault, A Ilha do dia
Anterior, Baudolino, A Misteriosa Chama da Rainha Loana e por último, O Cemitério de Praga. Entre seus
trabalhos de filosofia, crítica literária e semiótica, destacam-se Obra Aberta, Apocalipticos e Integrados,
Kant e o Ornitorrinco. Também escreveu os livros de ensaios Cinco Escritos Morais, um dialogo com o
cardeal Carlo Maria Martini, intitulado Em
que creem os que não creem?, e mais recentemente Confissões de um Jovem Romancista. Organizou os livros História da Beleza, História da Feiura e
A Vertigem das Listas.
[2] JOLY, Maurice. Sons passe, son programme.
Paris, Lacroix, 1870.
[3] Trata-se do livro; O Complô – A
História secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião. O livro possui introdução
de Umberto Eco e é publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras. Aos
interessados, possuímos o arquivo do livro em PDF e podemos repassá-lo. Basta
enviar um e-mail ao blog; www.reflexaodialogada@yahoo.com.br, solicitando o arquivo.
[4] No site Estante Virtual, site que
reúne sebos de todo o Brasil, há inúmeros anúncios de venda do livro, como é
possível conferir no link: http://www.estantevirtual.com.br/q/protocolos-dos-sabios-do-siao (Acesso: 08/04/2014, as 09:48). Os
Protocolos também estão disponíveis na integra no seguinte endereço: http://www.scriptaetveritas.com.br/maconaria/livros/misterio/Os_Protocolos_dos_Sabios_de_Siao.pdf (Acesso: 08/04/2014, as 09:48).
3 comentários :
Maravilha de reflexão.
Acredito na transparência e na nudez da verdade recentes que desconstroem os complôs e diferentes acordos que balizaram o poder autoritário no comando do globo.
Parabéns.
Parabéns Everton! Eu tenho pouco domínio no assunto, mas seu artigo me despertou o interesse de retomar a leitura do cemitério de Praga de Umberto Eco. Como já disse anteriormente, considero este autor um dos maiores iconoclastas da nossa época.
Este assunto infelizmente não faz parte do conhecimento coletivo. Muitas pessoas não fazem ideia desse complô. Muitos livros de história negligenciam este acontecimento. Muitos professores desconhecem isso. O livro do Umberto Eco é muito preciso. Todos os nomes e fatos que relacionam os Protocolos dos Sábios do Sião são verdadeiros. Exitem também outros artigos do Eco tratando do assunto dos Protocolos dos Sábios do Sião. O conhecimento desse assunto não é apenas uma honestidade histórica, mas uma forma de dissipar as falsidades que escravizam e martirizam pessoas.
Postar um comentário